Oi, W.!
Faz uns dias que estou pensando em te escrever. E acho que nada mais justo que eu comece o ano enviando uma carta para você, já que comecei a escrever aqui com respostas às suas cartas.
E desculpa, não quero causar desespero em você para me responder. Sei que nossa regra é escrever a resposta quando conseguimos ou também quando queremos, então não se sinta pressionado, de verdade. Mas me deu saudades de te escrever.
Sexta-feira passei pela passarela do metrô Tatuapé. É uma passarela caótica, com bastante vendedor ambulante. Vendendo desde meias, toucas para cabelo, brinquedos que se movimentam sozinhos com muitas luzes, chocolates, acessórios para celular e até flores! E dividindo espaço com esse comércio diversificado, existem pessoas apressadas indo pegar o trem, metrô ou ônibus. Normalmente reparo que todas as pessoas estão realmente apressadas, sem olhar muito à sua volta. Mas na sexta-feira, final da tarde, horário do pôr do sol, eu parei para tirar uma foto da cena que se desenrolava para mim e reparei que eu não era a única pessoa com o celular apontando para aquela cena e tirando foto. De repente, pessoas apressadas se tornaram pessoas deslumbradas com as cores no céu. Eu não era a única observadora de natureza dentro de SP.
E sabe, W., confesso que tenho um leve fascínio pela paisagem da Zona Leste que se desenrola das passarelas das estações da linha vermelha. Se eu fosse descrever para uma pessoa que nunca passou por ali, talvez ela ia me falar que não tem nada de interessante em ver uma avenida cheia de carros, ônibus, motos, prédios, pessoas nas calçadas. Mas tem o céu, que é a parte mais importante dessa composição. E como observar as coisas dali, daquela perspectiva, me faz pensar em como realmente nem um dia é igual ao outro.

No sábado desse mesmo final de semana, fui fazer pela primeira vez um passeio de bicicleta com um grupo chamado Pedal Fofo. O nome vem do fato de ser um pedal bem democrático, já que ele aceita desde ciclistas experientes até iniciantes. Juntei-me a um grande número de ciclistas, e fizemos um passeio tão legal, em um dia muito quente e ensolarado.
Vivenciar a cidade em cima da bicicleta é outra experiência. Eu me sinto mais integrada a tudo ao meu redor. A atenção muda; coisas que passariam despercebidas se eu estivesse em um carro começam a ser vistas. A cidade se torna uma aliada no passeio, e não apenas um local para sobreviver no meio de tanto concreto e pessoas apressadas. E é sempre muito gostoso sentir a cidade de uma forma diferente.
E foi um passeio bem gostoso, com uma galera muito legal. Gostei bastante dos organizadores desse pedal, que, antes de começarmos o passeio, passaram algumas regras que envolviam principalmente a boa convivência da bicicleta com a cidade e com todas as pessoas que encontraríamos pelo caminho. Isso parece meio óbvio, mas vejo muitos ciclistas se esquecendo dessa integração da bicicleta como um todo.
Eu não entendo muito bem caminhos, então não vou conseguir te explicar muito bem. Mas o que sei é que saímos da Praça Roosevelt no centro de SP e fomos em direção ao Bom Retiro. Paramos num parque de esportes radicais. E eu nem sabia da existência daquele parque, muito menos que existiria algum parque dedicado a esportes radicais. Então, novamente me lembrei que São Paulo é muito grande e que ainda existe muito lugar para ser desbravado.

São Paulo está numa fase de chuvas de verão. Me peguei vivendo dias mais molhados por aqui e ficando feliz pela chuva. Olhei com carinho e até uma certa felicidade a água caindo na rua. E olha que: A) eu estava na rua e B) possivelmente ficaria com os pés molhados. E eu odeio ficar com tênis, meia e pés molhados. Mesmo assim, estava impressionadíssima com esse fenômeno natural. Pensava: “Nossa! Olha a chuva, como é bonita.” E com isso, só posso concluir que ando bastante obcecada com fenômenos da natureza acontecendo em São Paulo. É aquela coisa meio maluca de olhar e pensar: Meu Deus! São Paulo tem natureza, tem chuva, tem árvores, sabe?!
Sei lá, acho que, por morar em uma cidade com uma verticalização cada vez mais assustadora, eu me esqueço facilmente de que podemos ter outras coisas para olhar que não envolvem concreto, luz artificial e barulho de carros. Esqueço que é uma cidade que tem capivaras, vacas e até ratazanas! E eu tive que colocar esse animal por último, pois precisava fazer uma ligação com o parágrafo a seguir.
Um amigo compartilhou comigo um texto que está meio hypado, sobre uma entrevista com uma ratazana. Talvez este seja o parágrafo mais estranho que você vai ler hoje. Mas é isso: o texto é sobre uma ratazana sendo entrevistada no metrô Ana Rosa.
Enquanto lia, tive dois pensamentos. O primeiro foi se eu seria capaz de escrever algo como aquele conteúdo, no qual rolou uma entrevista com uma ratazana — e não no estilo Ratatouille. E, pelo que entendi, foi um encontro real com o animal, não com um desenho animado.
O segundo pensamento: quando foi que perdi a capacidade de escrever textos nesse estilo? Sei que há uma Giselle aqui dentro que consegue escrever algo assim.
A real mesmo, é que fiquei com inveja da autora.
E agora fico pensando: aceito essa nova característica que a vida me deu e me consolido (com muitas aspas) como uma “escritora dramática”? Ou será que, em algum momento, minha vida fez uma manobra que me transformou nessa pessoa que chega numa roda e pergunta: “Oi, você teria cinco minutos para escutar sobre o luto?”

Pode parecer que essa questão da seriedade surgiu agora, mas, na verdade, já venho me perguntando isso há um tempo. Meus amigos têm assuntos muito sérios. Um dia, estava numa roda de conversa e fiquei pensando se tinha me tornado uma pessoa séria e, por isso, meus amigos também eram assim. Sabe aquele lance estranho da lei da atração?
Claro que amo meus amigos e sei que todos temos assuntos para compartilhar e nos ajudar. Mas, algumas vezes, só queria refletir sobre coisas como: tentar entender a pessoa que olhou para uma cana-de-açúcar e pensou: “E se eu espremer esse negócio?”. E não só pensou nisso, mas também tomou o suco que saiu daquilo. Sabe, entender esse processo de descoberta sem procurar no Google, apenas nas suposições de uma roda de conversa. O problema é que não encontro muito espaço para falar essas coisas nas conversas.
Será que não ter mais essas conversas descontraídas é um sinal de amadurecimento? Para falar a verdade, não gosto disso. Essa coisa de amadurecer/envelhecer e perder esse traço “inocente e leve” que a vida nos dá quando somos jovens.
O mais maluco de tudo é que, entre ler um texto denso e triste, sei que sou uma leitora que escolheria ler sobre uma ratazana sendo entrevistada.
Agora vou te contar que, por uns dois anos, fiz terapia na linha junguiana. Era aquele lance de ficar atenta ao que o universo está falando para você. E, amigo, até eu, que não era muito dessas paradas, do nada me vi “recebendo” essas mensagens bem codificadas. Podiam ser por meio de um filme, música ou livro. Mas estava lá: a música falando comigo, ou até mesmo aquele trecho de livro que acertava bem no que eu estava vivendo no momento. Lei da atração novamente? Talvez. Loucura? Nunca vou saber!
O lance é: talvez esse texto tenha chegado até mim para me lembrar disso, da leveza das coisas. De que, mesmo que a autora estivesse tendo uma semana ruim (estou supondo), ela conseguiu tirar um texto assim. Entende? Ela foi lá, pegou os ratos de um metrô e transformou em uma entrevista. Percebe que continuo com inveja, né? Poderia dizer que fiquei admirada pela forma da escrita da autora, mas não me sinto tão madura assim.
Enfim, talvez essa foi a crise existencial do momento.
Fico por aqui, meu querido.
Sem pressão, escreva quando puder (risos).
Um grande beijo,
G.
Seu textos sempre me cativam.