Você se apaixona fácil?
Em algum momento da minha vida, ouvi uma pessoa falar que se apaixonava fácil. E fiquei pensando nisso porque eu nunca sei se realmente me apaixono ou se apenas "invento" que estou apaixonada. Explico: sou uma pessoa que a sociedade consideraria romântica e também tenho a tendência de criar histórias criativas. Logo, posso muito bem "inventar" para mim mesma que estou apaixonada. (Acho que ficou meio confuso, mas vem comigo.)
Dias atrás, passei por um Substack onde a pessoa respondia às perguntas que Carrie Bradshaw fazia nos episódios de Sex and the City (a primeira versão). E a pessoa publicou a foto abaixo, mas o texto era: "O que Carrie Bradshaw faria no meu lugar? (Para eu não fazer o mesmo)."
Primeiro eu ri. Depois pensei: eu não só faria exatamente como Carrie Bradshaw quando o assunto são homens, como daria ainda mais material para os roteiristas da série.
Pois eu já estive muito tempo nessa indústria vital de aplicativos de relacionamento. Agora parei de usar essas drogas, mas me sinto quase uma viciada em fase de recuperação. E eu só parei de usar essas ferramentas para conhecer pessoas novas porque, depois de tantos dates estranhos, percebi que aquilo que antes parecia legal, não era tão benéfico assim.
Posso ir mais longe nesse "estudo": realmente acho que há uma diferença enorme entre usar aplicativos de relacionamento antes e depois da pandemia. Usei um tempo pós-pandemia e, sinceramente, a coisa parece ter piorado. (Mas preciso formular melhor esse pensamento; não é a intenção deste texto.)
Quero mesmo é contar sobre minha última humilhação em um "date". Já fico confusa porque talvez nem possa chamar aquilo de date. Como não sei que termo usar, chamarei de "visita". E talvez Carrie Bradshaw me entenda nessa confusão para nomear coisas.
Era 2023. Após um encontro que me colocou em risco, decidi abandonar de vez os aplicativos de relacionamento. Foi só depois dessa experiência complicada que percebi a necessidade de parar.
Meses depois, entrei naquele limbo onde “nada de diferente” acontecia na vida. Encontros, para mim, representavam uma quebra na rotina. Sabe, a vida não estava ruim, mas chegou dezembro, fim do ano, com todas as famílias felizes e reunidas (menos a minha família), e eu estava passando muito tempo sozinha. Entrei naquele tédio que me faz procurar algo para virar quase uma “obsessão”.
Aqui abro um grande parêntese: quando ainda fazia terapia, percebi que dezembro é o mês em que fico obcecada por algum assunto. Em 2021, fiquei obcecada pela história do Massacre do Carandiru. Li, assisti e ouvi tudo o que podia sobre essa história violenta e desumana. Em 2022, fiquei obcecada por um filme sobre um desastre com turistas numa ilha vulcânica. O vulcão entrou em erupção, não havia para onde correr, e muitos não conseguiram sobreviver e as pessoas que conseguiram sobreviver ficaram com queimaduras graves. Meu psicólogo, ironicamente, disse que eu estava criando um "hábito saudável" de me obcecar por catástrofes em dezembro.
Mas, em dezembro de 2023, minha obsessão foi diferente. Focou-se em um homem hétero — o que talvez já seja uma catástrofe por si só. Estava deitada no sofá, assistindo a stories aleatórios no Instagram, quando passei por um registro de um rolê de bicicleta. Os perfis estavam marcados, então entrei num deles e um cara me chamou a atenção. Vamos chamá-lo de Ralf (um toque bem Supla, misturando inglês com português).
Passei a seguir o Ralf no Instagram e comecei a interagir com seus stories. Logo iniciamos uma “conversa” (entre muitas aspas). Eu que demonstrava mais interesse em manter a comunicação, porque ele falava pouco, enquanto eu, como você já percebeu, falo muito. Me esforcei para prolongar os diálogos, que acabariam nas primeiras duas linhas se dependesse só dele.
Vou colocar como tópicos, assim a humilhação fica um pouco mais suave (talvez “suave” só na minha cabeça):
O “não” convite:
Logo no começo da nossa interação, ele me mandou um link para um show gratuito da banda Funk como Le Gusta. O link veio acompanhado apenas da seguinte pergunta:
— Consegue?Fiquei confusa. Achei que ele não estava conseguindo pegar o ingresso e queria que eu o fizesse por ele. Respondi que sim, conseguia. Na sequência, ele manda a seguinte mensagem:
— Peguei o lugar na parte de cima da arquibancada.Novamente fiquei confusa. Entendi que possivelmente era um convite para eu ir junto, mas fiquei insegura. Então mandei:
— Você quer minha companhia?A resposta do jovem de 39 anos foi:
— A princípio, sim!No mundo ideal, com todo meu lado feminista, eu deveria mandar ele enfiar o "a princípio, sim" na b*nda dele. Mas, como estava empenhada em manter a tradição da minha obsessão natalina, peguei o ingresso. O encontro, no fim, nem rolou, pois deu uma chuva fortíssima e o show foi cancelado. O que me leva a pensar que até o universo estava me auxiliando a não entrar nessa.
Os auto-convites:
Todas às vezes que encontrei essa pessoa, fui eu que me auto-convidei. Eu nunca recebi um convite direto do tipo:
— Oi, vamos no show tal?Não era assim! Eu sempre recebia alguma informação vaga, tipo:
— Sábado vou no show do Dead Fish no Tendal da Lapa.E aí eu ia lá e falava:
— Ah, que demais! Eu vou também.
E pronto, lá estava eu, indo ao “encontro” que eu mesma me convidei. Sempre me sentindo muito bem-vinda, claro! Como vocês podem ver por toda a situação.
Bom, toda a comunicação entre a gente era muito ruim. Eu sempre falava muito, e ele sempre demonstrava zero interesse em tudo que eu falava. Fui cansando. Então resolvi dar uma “pausa” nisso tudo e também queria ver se ele ia puxar algum assunto, já que eu parei de falar. Claro que ele literalmente não deu a mínima e sumiu. Com isso, resolvi utilizar uma última tentativa, ou posso dizer que subi o último degrau dessa humilhação toda.
Aqui até vai entrar um sub-título, pois merece muito:
Um livro de presente, Monty Python e acordada até 5h
Agora vocês vão ter que analisar a situação a seguir e me falar se desisto fácil.
O livro de presente:
Como não estávamos mais nos falando, decidi que precisava me esforçar um pouco mais. Por quê? É uma pergunta com muitas camadas, né?
Pois bem, comprei um livro para ele num sebo. O livro não foi, assim, qualquer livro. Como o jovem é muito musical e gosta de escrever, lembrei de uma entrevista do Nick Hornby em que ele falava de um livro que havia lido e que o fez se tornar escritor. O título do livro é quase uma piada com bastante humor do universo: Almoço no Restaurante da Saudade, de Anne Tyler.
Gente, assim, nem no meu modo mais criativo eu ia pensar em dar um livro de presente para uma pessoa que não falava mais comigo, onde o título tivesse a palavra “saudade” e ainda a foto da capa é de uma pessoa sentada sozinha numa mesa de restaurante com cara de triste. Tudo muito hilário!
A carta:
Eu não apenas comprei o livro, como também escrevi uma carta explicando o motivo da compra. Dá para perceber que eu estava realmente empenhada. A verdade é que não lembro mais o que escrevi. Talvez seja até melhor assim.Como entregar um presente para uma pessoa ausente?
Mandei mensagem tentando marcar um encontro. Não mencionei o presente, mas insisti duas vezes em ter um encontro. Na primeira tentativa a resposta dele foi:
— Não sei.
Na segunda tentativa, ele respondeu:
— Não sei se posso.O que podemos concluir é que ele é um jovem
idiotaenigmático.O ressurgimento do jovem e a pizza:
Quando eu já tinha aceitado ficar com o livro para mim, ele reapareceu. Era uma sexta-feira à noite, provavelmente depois das 22h, quando recebi uma mensagem dele. Certamente fui a última da lista de contatos — aquela pessoa que sobrou depois que todas as outras opções se esgotaram.Conversamos sobre algo completamente aleatório, até que ele pediu para me ver. Respondi que não sairia de casa àquela hora. Depois de alguma insistência, ele aceitou vir até mim. Comprei uma pizza e, vejam só, ainda perguntei qual sabor ele queria. (Por favor, continuem acreditando que eu estava apenas empenhada e não sendo trouxa.)
Monty Python até 5h:
Ele chegou de bicicleta. Demorou um pouco, afinal, estava longe. Eu já estava acabada de sono, mas esperei acordada. Ele tinha pedalado alguns bons quilômetros para chegar até mim. Entreguei o presente, a pizza e, como resposta a tudo isso, ele disse que não tinha mais pernas para voltar pedalando.Como já passava da meia-noite e o metrô estava fechado, ele perguntou se podia ficar até abrir. Concordei, e passamos a madrugada assistindo trechos de Monty Python no YouTube. Cada um deitado em um sofá da sala. Eu, morrendo de sono, dava alguns microcochilos. E lá fiquei, fazendo companhia para o jovem até o metrô reabrir.
O fim de tudo isso é que essa foi a última vez que nos encontramos. Depois disso, nunca mais nos vimos ou falamos.
O mais curioso é que, em algum momento daquela conversa, quando eu já começava a falar menos, ele comentou que eu “desistia” fácil dele. E, olha, se depois de tudo o que contei aqui, pareço uma desistente, eu realmente não sei qual é a definição de insistir no vocabulário dele.
Acabou! Como eu disse, não apenas faria igual à Carrie (da versão antiga), como ainda entregaria mais material para os roteiristas.
E não, eu não inventei nada disso! O que talvez deixe toda essa história ainda pior.
Sou seu fã