Para ler ouvindo: "Repetition" do Information Society
Richard,
Algo que você não sabe, mas meus amigos te conhecem como o “bananeira”. E, com isso, lembrei do nosso primeiro encontro. Eu estava insegura de ir, não sabia como o date ia se desenrolar. Era meu primeiro encontro com algum cara de aplicativo e, assim como eu, você também andava bastante de bike. Então, sugeri que nos encontrássemos na Praça do Ciclista para fazermos um pedal por lá. Um convite inusitado para um primeiro encontro, já que normalmente seria para um café ou algo do tipo. Mas eu sabia que, para você, seria algo natural.
Você chegou muito antes de mim e, quando me aproximei da praça, fizemos contato visual. Então, você plantou uma bananeira. Sim, uma bananeira! Do absolutamente nada! Isso talvez pudesse fazer outra pessoa dar meia-volta e ir embora, mas eu fiquei. Estava tão impressionada e curiosa com tudo que não conseguia me afastar. Tudo em você era estranho e diferente, e eu era atraída como uma mosquinha para a luz.
Partimos para uma galeria da Rua Augusta para tomar um suco. Você prendeu minha bicicleta na sua e usou seu cadeado. Lembro de ver a cena e pensar:
— E se esse rolê não for legal e eu precisar, sei lá, sair correndo daqui? Como vou destravar minha bicicleta e ir embora?
Mas a conversa fluiu. Eu estava gostando da sua companhia e, com isso, conversamos um tempão. Você era divertido, maluco e leve; eu simplesmente não conseguia ir embora. Até que começou a ficar muito tarde, e você sugeriu que voltássemos juntos de bicicleta. Nos perdemos, entramos em muitas ruas erradas, bairros errados e, por estarmos pedalando há bastante tempo, tudo ganhava um ar de diversão misturado com endorfina.
Quando você me deixou na esquina de casa, nos beijamos pela primeira vez. Um beijo estranho, desencaixado, salgado de suor, ali mesmo no meio da rua, com as bicicletas apoiadas em cada corpo. E lembrar de tudo isso é bastante irritante agora, pois me traz a lembrança de uma noite muito gostosa que tive. Mas talvez a parte mais irritante seja que, sempre que começo a escrever em alguma plataforma nova, você acaba ganhando um texto meu. É como aquelas coisas que a gente tenta evitar, mas, quando percebo, já estou aqui, batendo nas teclas e transformando palavras em um texto para você.
Eu te bloqueei em praticamente todas as formas de comunicação. No Facebook (quem ainda usa isso?), foi você quem me bloqueou primeiro, em uma daquelas nossas “brigas” estranhas. Você se frustrava porque eu não fazia o que você queria e, depois, me entregava apenas sua indiferença. Essa era a nossa dinâmica.
Não me orgulho de ter arrastado essa “história” por tanto tempo. E foram anos, né? Te conheci em 2015 e te tirei da minha vida em 2022. Antes, nunca conseguia dar um adeus definitivo. Você aparecia todo ano, ficava uma semana e depois desaparecia.
O que mudou para mim? Nem sei explicar. Mas lembro que, da última vez que nos vimos, você me disse algo que deixou um vazio tão grande que senti uma dor física na boca do estômago. Foi tão incômodo que nunca esqueci a sensação. Precisei de um tempo para digerir aquilo — literalmente, porque senti a dor no estômago mesmo. RÁ!
O mais curioso é que precisei te machucar fisicamente para entender que não podia mais passar tempo com você.
E só percebi que estava te machucando quando você pediu para eu parar. Até então, não tinha noção de que estava mordendo seu lábio inferior com tanta força. Quando você se levantou e vi sangue, guardei a cena: você, em cima de mim, me olhando por alguns segundos, visivelmente irritado, dizendo:
— Não é assim, Gi.
Depois, saiu para a cozinha em busca de gelo.
Fiquei sentada, parada, me sentindo como o bonequinho do meme acima, sem entender bem o que havia acontecido. Eu tinha te machucado e nem sabia como. Quando você voltou, ficou distante. Pedi desculpas, e você ficou me olhando em silêncio, mas sorrindo. Fiquei confusa:
— Você está se divertindo com isso, né? — falei.
Você sorriu com um sorriso irritante e respondeu:
— Eu? Estou sangrando, não é divertido.
E seguiu rindo.
Foi quando eu disse:
— Sabe, acho que não sou uma boa pessoa para você, assim como você não é uma boa pessoa para mim. A gente tira o pior um do outro.
Você só me olhou, não disse nada, mas sabia que eu estava nos levando para o fim.
Continuei:
— De verdade, precisei te machucar para perceber isso. Não somos boas pessoas um para o outro. Isso não está certo. Precisamos nos afastar.
Minhas frases pararam no ar. Ficamos ali, nos olhando, distantes, e ficou um silêncio nada constrangedor, super de boa.
Você não ia embora. Então, sugeri encontrar uma pomada para o seu lábio, que já estava muito inchado. Fomos até a farmácia como se fosse algo rotineiro. Você não desceu do carro. Busquei a pomada, te entreguei, você passou e continuou rindo. Eu não estava entendendo mais nada e já estava cansada daquela confusão.
Depois de um tempo, nos despedimos. Você foi embora, e essa foi a última vez que nos vimos. A última vez que nos falamos foi no dia seguinte, quando você me mandou uma foto do seu rosto, com o lábio extremamente inchado. Você estava sorrindo e, na legenda da foto, escreveu: Olha o que você fez.
Mas naquela tarde, quando você partiu, fiquei sozinha, refletindo sobre tudo, e decidi que não queria mais você na minha vida.
Pode parecer que foi fácil decidir isso, mas demorei anos para entender que não merecia receber apenas indiferença e solidão de você. Me machucava todas as vezes e estava cansada de me “remendar” depois dos nossos breves encontros.
A verdade é que, por arrastar essa história por tanto tempo, ela me atingiu em momentos muito diferentes da minha vida. Após começar a passar por uma experiência de luto, entendi que existem sofrimentos que posso evitar e outros que não. Sofrer por escolha é algo que eu não quero mais, especialmente quando se trata de sofrer por amor, pois, nesse contexto, a palavra “sofrer” nem deveria existir. Afinal, o amor é feito para nos acolher, para nos fazer sentir bem conosco mesmos, e não para nos fazer sentir inadequados para receber esse sentimento tão bonito.
Agora também sei que a vida, às vezes, nos faz sofrer sem nos dar escolha. Por isso, decidi não sofrer mais por esse amor que eu tinha por você. Era como se fosse um Jogos Vorazes do amor, e eu cansei de me candidatar como voluntária nesse jogo.
Está aí uma ideia: escrever um roteiro de reality show chamado Jogos Vorazes do Amor. As pessoas teriam que se “matar” até encontrarem alguém para amar. Risos nervosos.
Entenda: isso não é uma carta para trazer você de volta. Meu coração está tranquilo com essa nossa “história”, finalmente sossegado, e esperei muito tempo por isso.
É que agora tenho um podcast, e nele falo de uma dedicatória de despedida que escrevi para você na contracapa de Clube da Luta.
E acho isso curioso também: quantas vezes, nesse tempo, eu me despedi de você. Até conseguir chegar ao momento da última despedida.
Então, fico por aqui. Tenha uma vida boa.
Giselle
P.S.: Você deve estar se perguntando como eu lembro dos diálogos. =) Pois é, eu escrevi pouco tempo depois que você foi embora.