1.
Caju - Liniker1
Uma vez eu reativei um contatinho antigo do Tinder. Não sei você, mas se alguém me fala que reativou contato do Tinder, eu já entendo que rolou beijo na boca. Mas com o L. não rolou nada, e mesmo assim foi um date muito gostoso. A gente se encontrou alguns anos atrás no MASP, ficamos por ali sentados um tempo conversando, até que atraímos um cara que queria que a gente baixasse um aplicativo no celular. A gente desconversou e seguiu a pé (andamos um tempão) para uma padaria no Bixiga.
L. estava numa fase de fazer pizzas e queria uma farinha de trigo muito específica. Do lado dessa padaria tinha um esquema que vendia espetinhos. Ficamos comendo espetinhos, tomando suco, enquanto conversávamos um pouco sobre a vida. E foi isso, nos despedimos e só. Depois, nunca mais nos encontramos, até…
Ficamos anos sem nos falar, até que, num momento de carência de companhia, ano passado, reativei esse contato. Na real, ele era o último contato remanescente da minha agenda de aplicativo de relacionamento. Eu achava engraçado que, desde a nossa primeira conversa, L. não me chamava pelo meu nome certinho, tipo “Giselle”. Ele sempre inventava alguma mistura, do tipo “X-lle”, e dou risada só de escrever isso.
Convidei ele para um café no SESC, anos depois de ter encontrado ele uma única vez. Depois de um tempo conversando, quando nos despedimos, ele me ofereceu carona até em casa e eu o convidei para entrar. Uns dias depois, escrevi isso sobre esse encontro:
Ontem eu tirei a cortina da cozinha para lavar.
Ficou cheirando cigarro, como você tinha avisado.
No dia, eu respondi que não me importava com o cheiro, mas depois isso virou uma lembrança da sua presença na casa.
Sentamos um de frente para o outro na cozinha. O assunto era diverso, mas falamos bastante sobre a vida e, depois, muito mais sobre música.
Ficamos tomando Coca-Cola e colocando música para cada um ir conhecendo coisas novas ou antigas.
Não tinha absolutamente clima algum para rolar algo entre a gente. E, no fundo, isso acalmou meu coração, eu precisava apenas de uma companhia para uma troca de conversas.
Você aumentou o som do rádio. Como era de madrugada, eu pedi para abaixar por conta dos vizinhos.
Liniker começou a cantar a música Caju. Tem um ritmo delicioso, e você, que estava em pé, fumando perto da janela da cozinha, começou a dançar ao som da música.
E foi essa imagem que ficou grudada em mim.
Nunca mais nos encontramos ou nos falamos depois disso.
2.
Estava, esses dias, na plataforma esperando o trem. Numa São Paulo que estava dentro do outono e, com isso, amanhecendo mais fria. A plataforma aberta me fez sentir o vento gelado chegar até mim conforme o trem ia se aproximando. Não consegui entrar no vagão, tive que esperar o próximo. Nesse momento, peguei o celular e tirei o timer do modo distração. Abri o Instagram e rodei alguns stories aleatórios. Memes, notícias, viagens, mensagens desmotivacionais… até que parei num story de indicação de uma música. Dei play para escutar inteira e fui envolvida por uma melodia tão gostosa… Entrei no próximo trem quase numa espécie de transe. Eu sou baixinha, então não alcanço as estruturas que ficam nas alturas do vagão. Fiquei me equilibrando, meio dançando discretamente no meio das pessoas ao som da música2.
No começo até não existia amor
Não era pra passar do beijo mas passou
E amanheceu, ver você acordando do meu lado
Foi estranho
No calor da transa escapar da minha boca
Uma frase envergonhada
Saiu eu te amo
Deu saudades de me sentir apaixonada.
3.
Fico lembrando de um cara que surgiu na minha vida no final de 2023 e ficou até o comecinho de 2024. Poderia dizer que ficamos juntos e que foi algo inesquecível. Mas a única carícia que trocamos foi um selinho. Lembro de descrever a cena por mensagem para minha amiga J. e disse:
— Foi o beijo mais casto que eu recebi na vida.
Ela respondeu:
— Que católico.
Eu ri muito.
4.
Lembrei de uma conversa com esse cara, em que a gente falava sobre músicas com solos de guitarra legais. Ele comentou de uma música da banda Camera Obscura. Eu fiquei viciada na música, mas escutava apenas no YouTube, pois não queria que meu Spotify aprendesse que era uma música importante para mim. Porque eu sabia que, depois, ao ouvir essa música, ela me traria a lembrança dele.
5.
A música em questão, indicada por ele, era Fifth in Line to the Throne3, da banda Camera Obscura. E, claro, na minha cabeça a letra da música combinava muito com toda aquela situação. E como ele sempre deixava muito claro que não queria minha companhia, a música dizia:
If you want me to leave, then I'll go
If you want me to stay, let it show
Do you want me to leave, let me know
Just let me knowSe você quer que eu vá embora, então eu irei
Se você quer que eu fique, deixe transparecer
Você quer que eu vá embora, deixe-me saber
Apenas me deixe saber
Em uma das conversas, ele comentou que a mãe havia se separado do pai quando ele ainda era bebê, e que ele havia sido criado pelo padrasto. Aquilo me tocou em algum lugar, e eu só consegui visualizar o medo de abandono nele. A letra diz:
I have seen your deepest flaws
I'm ashamed to say they made me want you more
But I was in aweEu vi seus defeitos mais profundos
Estou envergonhada de dizer que eles me fizeram te querer mais
Mas eu estava admirada
6.
Um tempinho depois, ele viu meu histórico do YouTube, e a música estava lá. Eu passei uma boa parte do meu dezembro de 2023 acordando e escutando essa música no repeat.
Ele comentou:
— Era uma das músicas favoritas da minha ex.
Eu podia dizer que esse comentário me pegou desprevenida, mas eu não esperava menos. Não fiquei surpresa, só tive aquela sensação de confirmação de algo. E eu ri. De verdade, eu dei risada, pois era algo tão óbvio que, se esse comentário não existisse de verdade, certamente ele seria criado para alguma comédia romântica, estilo Bridget Jones.
7.
Sempre achei que a banda Camera Obscura era uma banda indie do Rio Grande do Sul. Sim, eu realmente tinha essa percepção — assim, bem específica.
8.
Essa indicação de música só surgiu da parte dele porque eu havia começado uma brincadeira de indicar músicas que eu achava que tinham um solo de guitarra “fofinho”. A música que eu havia indicado para começar essa troca foi I Will Survive4, na versão do Cake. E, realmente, essa versão tem um solo de guitarra bonitinho.
A letra diz:
At first, I was afraid, I was petrified.
I kept thinking I could never live
Without you by my side,
But then I spent so many nights
Just thinking how you done me wrong,
I grew strong,
I learned how to get along.No início, eu tive medo
Eu fiquei paralisada
Fiquei pensando que nunca conseguiria viver sem você ao meu lado
Mas então eu passei tantas noites pensando em como você me fez mal
E eu me fortaleci
E eu aprendi a me recompor
9.
Um tempinho depois de terminar o ensino médio, eu ganhava de um amigo da escola declarações de amor em formato de músicas do Roupa Nova. Eu achava engraçado. Anos depois, nos reencontramos e nos beijamos. Foi o beijo mais estranho, frio e desencaixado que eu ganhei na vida. Depois de um tempão desse beijo, a gente tentou várias vezes se encontrar. Eu sempre combinava algo e, no dia, desmarcava. A gente ficou nessas por alguns anos. Eu nunca ia ao encontro.
Nesse meio-tempo, ele namorou, casou, descasou — e a vida seguiu. Na última vez que tentamos, ele estava recentemente solteiro, depois de passar um tempão casado. Tentamos marcar algo. Ele tem um humor rápido, que sempre me fazia rir muito. Quando enrolei para falar um "sim", ele disse:
— Acho melhor deixar pra lá. Vai que no dia o signo de Câncer está em Peixes e você vai achar que não é uma boa sair comigo.
Não sei se deveria, mas no dia eu dei risada.
10.
Um outro cara, que eu conheci em 2015, um tempo depois me mandou um e-mail com a música Pessoa5, da Marina Lima:
Ó não, não tente me fazer feliz
Eu sei que o amor é bom demais
Mas dói demais sentir
A música era para mim. E algo me diz que, do ponto de vista dele, era sobre mim.
11.
Eu acho que, se eu fosse definir São Paulo em um sentimento, certamente seria: ansiedade. Acho que essa coisa de deixar o lado esquerdo da escada rolante livre anda deixando todo mundo ansioso. Talvez, um dia, eu desenrole melhor essa teoria.
Mas um outro sentimento com que eu consigo definir São Paulo é “solidão”.
Muitos temores nascem do cansaço e da solidão6.
Talvez Renato Russo estivesse falando sobre viver em São Paulo.
12.
Meu erro é lembrar demais.
PS.: Acho que ainda não sei usar muito bem essa coisa de tópicos (risos)
amiga, isso é o roteiro de um curta-metragem muito gostosinho de assistir! (e caríssimo, por conta de todas as licenças de música que teríamos que pagar). sério, pensei Fernanda Young, sei lá. você é cheia de histórias, espero que saiba disso -- que você realmente tem vivido a vida, e não só deixado ela passar. e isso é algo que pouca gente pode dizer que faz. um abraço de cá. (sim, ainda te devo uma carta).