G.
Eu sei que a gente conversa o tempo todo (até demais), mas acho que precisamos nos falar por aqui também. Talvez porque sabemos que é na escrita que conseguimos nos organizar melhor.
No domingo, você foi para Paranapiacaba e, primeiro, você precisa aprender a escrever o nome dessa cidade corretamente, pois você sempre escreve: Paranapiaca. Depois, você lê e pensa: tem algo errado aí, e pede para o Google corrigir.
Foi aquele dia que, se você contasse para a G. do passado, certamente ela ir dar risada da nossa cara. Sabe, naquela fase estranha da vida em que a gente vivia experiências apenas por meio de filmes, livros e músicas. Quase um trabalho terceirizado de viver a vida. Então eu sei que, ali, era difícil criar uma imagem de um futuro em que você pegaria uma bicicleta com um grupo de cinco pessoas, que só encontra a cada 15 dias, para pedalar de Rio Grande da Serra até Paranapiacaba (tive que copiar lá de cima o nome).
E eu sei que, enquanto você fazia o rolê, foi ficando cada vez mais feliz por tudo que estava sentindo e vendo. É muito legal quando temos o sentimento de: conseguimos! E depois vem o deslumbramento por estar ali, por estar vivendo novas experiências de forma real. São sentimentos muito bonitos, que você tenta guardar.



Mas, inicialmente, não foi tão fácil ir. Ficamos com medo do trajeto, de nos perder na cidade, de não conseguir voltar. A ansiedade se aproximando devagarinho, lançando perguntas nada a ver. Então, adormecemos na noite anterior com essa dúvida de ir ou não. Mas, no fundo, você sabia que queria muito ir. Tanto que, saindo de casa às 5h40, numa manhã escura e fria, com o medo ainda batendo ali, perto de casa você quase caiu da bicicleta, atropelou a própria garrafinha de água e se desequilibrou feio. Mas conseguiu, de uma forma estranha, se manter em pé. Talvez fosse o universo falando (ou gritando): "Viu? Vai dar tudo certo!"
É que a gente já passou muitos anos paralisadas pelo medo, então aprendemos a conversar com ele e levá-lo junto. Mesmo quando faz cara de contrariado e vai meio arrastado. No fundo, tenho certeza de que até o nosso medo se divertiu nesse rolê.
É preciso força pra sonhar e perceber
Que a estrada vai além do que se vê1
Desde o começo deste ano, decidimos conhecer mais gente para pedalar junto, pois estávamos meio cansadas de sempre pedalar sozinha. Fizemos alguns passeios com grupos diversos. Alguns com um grande número de ciclistas, e outros com bem menos pessoas. Você já entendeu que gosta mais dos grupos pequenos, pois assim se sente mais próxima das pessoas, consegue conversar, ouvir, aprender. Em grupos grandes, você se sente mais solitária, sem conseguir se juntar muito com os outros.



A gente anda na maior brisa sobre viver em comunidade, sobre realmente precisar do outro para se localizar na gente mesma. Só que está sendo um desafio criar novos vínculos, mas, aos poucos, vamos nos aconchegando em novas amizades, com novos formatos.
Então, conhecemos por acaso o grupo Pedal no Frame2. É um grupo bem novo, sendo o quarto passeio deles, o terceiro em que você se juntou ao pessoal. O intuito do grupo é pedalar na velocidade “contemplativa”, parando para tirar fotos pelo caminho. O grupo meio que se mantém com quase as mesmas pessoas que você já conheceu, mas sempre aparece alguém novo. E é sempre uma experiência muito legal.
A troca é sempre muito significativa para você, são sempre pessoas com histórias interessantes. Dessa vez, B. se juntou ao rolê. Ela contou que fazia anos que não pedalava muito e encarou todo o passeio com bom humor e determinação. Achei bem incrível presenciar isso.



E o pós-passeio com o grupo é sempre um presente maravilhoso, pois o pessoal compartilha as fotos que tiraram. É tão incrível ver as mesmas paisagens, as mesmas pessoas, mas pelo olhar do outro. E sempre é um olhar tão carinhoso e sensível, que fica impossível não viver novamente o mesmo passeio, mas com outros sentimentos. É como se todos ali compartilhassem algo que só aquela pessoa conseguiu captar. Eu adoro, pois me faz ver que tudo — assim como a vida — precisa ser visto por outros ângulos.
E quando tenho contato com essas fotos, eu fico revivendo o passeio, mas com outro ponto de vista. É simplesmente apaixonante, pois nos mostra que a vida vai além do que se vê. Às vezes, essa visão fica com um pouco de neblina, sabe? Mas Paranapiacaba nos mostrou isso: que depois da neblina, sempre vem um dia claro. Parece bem clichê, mas é mesmo :D



Esse foi seu primeiro pedal em estrada (a gente parou de contar aquela experiência em Paraty) e também a maior quilometragem feita com a bicicleta nova. A ida, saindo da estação Rio Grande da Serra, era totalmente desconhecida para você — em absolutamente tudo. A gente não fazia ideia do que nos aguardava ali.
É engraçado isso, né? Se jogar no desconhecido. Antes, a gente faria um estudo detalhado de tudo. Iria percorrer o caminho antes pelo Google Maps. Tentaria ao máximo decorar alguma coisa, se apegar a essa preparação. Mas dessa vez foi diferente, tudo era novo para você.
Pegamos muitas subidas na ida, perdemos o fôlego várias vezes. E, quando as pernas começavam a chorar, surgia uma descida. Era bem gostosa (e trabalhosa) essa sensação de sobe e desce.
Depois de tanta subida, a última elevação nos venceu e tivemos que empurrar. Tudo para dar um carinho no joelho e um pouco de descanso para os pulmões. E está tudo bem, viu? Isso não deixou o passeio nem um pouco menos divertido.
Pegamos chuva na estrada, ficamos com o bumbum todinho molhado, e mesmo assim a sensação de bem-estar estava ali, encostadinha na gente.



A volta foi meio desafiante, pois você já estava cansada, mas extremamente ligada em tudo. Algo novo para a gente, que vive no modo distraída. Pegamos a estrada já tomada pela neblina. Em alguns pontos, era impossível ver o que havia à frente. Eu me baseava pela luz da bike do coleguinha da frente. Mas foi quando a noite chegou que tudo ganhou um ar de aventura. Pegamos, pela primeira vez, noite e neblina com a bike, e foi absurdamente diferente de tudo que você já tinha vivido.
Foi uma experiência muito legal, e certamente criamos memórias felizes com tudo isso. É algo que a gente está aprendendo, sabe, G.? Essa coisa de entender que os momentos bons da vida não são constantes — acontecem meio que nas frestas da vida mesmo.



Sei que a tua solidão me dói
E que é difícil ser feliz
Mais do que somos todos nós
Você supõe o céu
São Paulo anda acordando mergulhada no cinza escuro, na chuva e no frio. E me deu uma vontade estranha de ouvir Los Hermanos depois desse passeio. Escolhi o CD Ventura, pois, por muito tempo, foi um dos nossos preferidos. E certamente não foi em vão, porque a música “Além do que se Vê” sempre foi a letra que você mais gostava de ouvir. Você acha que ela fala sobre solidão, mas também sobre a coragem necessária para se sentir viva.
A gente nunca gostou do Marcelo Camelo, sempre preferimos o Rodrigo Amarante. Talvez porque ele tem aquele ar de cara meio desajustado (com todo respeito), que a gente tanto gosta. Mas a letra que mais te tocou foi essa, Além do que se Vê, que é do Camelo. Mesmo assim, esse CD está cheio de músicas com as quais a gente se identifica. No momento, certamente a letra do Amarante, na música O Velho e o Moço, fala mais com você:
Vou levando assim
Que o acaso é amigo
Do meu coração
Quando fala comigo
Quando eu sei ouvir3
Fico feliz em ver que a gente está vivendo novas aventuras e conhecendo pessoas com quem a troca é sempre significativa. Lembra que a gente escreveu com caneta permanente no espelho do quarto: Vai ficar tudo bem!? Meio que uma forma desesperada de não esquecer que tudo ia ficar bem. Então, minha querida, tudo ficou bem. Algumas vezes (talvez muitas), esse “tudo bem” foi meio torto, mas mesmo assim, nos trouxe até aqui.
E acho que já falei demais.
Até a próxima aventura!
Fica bem, tá
Um beijo
G.
Amiga, que lindo teu relato. Fico muito feliz por essa sua aventura, e todos os sentimentos, reflexões, sensações e afetos que moveram aí esse passeio de bici. Fiquei com vontade de pedalar junto. Quem sabe um dia. Um abraço de cá 💜